sábado, 11 de julho de 2009

Estava silêncio e a noite aconchegante. Ofélia sentiu aqueles braços ao seu redor. Era Will. Ela suspirou. Aquele cheiro dele, tão característico, tão dele. Se virou e o abraçou também. Era só eles e o silêncio. O nariz dela sentia a respiração quente saindo do nariz dele. Ela passou a mão pequena de unhas compridas pintadas de preto nos cabelos cacheados dele. Ele disse, baixinho: "Eu também te amo".
Era só eles.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Ai de mim!


Ofélia viu Hamlet ajoelhado a encarar a caveira:
"Ser ou não ser - Eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz ou pegar em armas contra o mar de angústias - e, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer, dormir, só isso. E, com o sono - dizem -extinguir dores no coração e as mil mazelas naturais a que a carne é sujeita(...)" (William Shakespeare - Hamlet)
Ofélia ajoelhou ao lado dele, tirou a coroa de flores da cabeça e suspirou.
Ela não podia afirmar não saber quem é. Ela sabe muito bem quem é. O que ela não sabe é o que quer. Uma flor da coroa espetou seu dedo com um espinho. Ela resmungou uma frase de Julieta:
"Ai de mim!"

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

300


'THIS IS SPARTA!'. Foi o que Ofélia bradou a plenos pulmões ao puxar a espada sem fio de corte e apontá-la pro pequeno yorkshire. Ele latiu. Ela jogou a espada no chão, se jogou naquela cama que não era sua e riu. Riu muito.
Depois, após encarar a parede, com o riso ainda no estômago, se sentindo uma criança, uma nuvem negra passou pelos seus olhos. Sua expressão passou de infantil e leve para madura e sóbria. E isso não é bom. Não é bom quase em momento algum. Mas Ofélia vivia assim. Sóbria. Séria. Cinza.
Levantou-se da cama, aprumou-se, despediu-se. Colocou os fones no ouvido e saiu pela rua, naquele seu jeito de andar engraçado. Pensava. Pensava. Pensava. Passou por uma senhora, ao lado de um sebo que tinha um cheiro delicioso de páginas antigas. A senhora sorriu, amigável. Ofélia sorriu também, com uma sensação de camaradagem. Ah, pra que ser tão sóbrio? Will era sóbrio demais às vezes. Dramático em sua paixão exagerada por ela. Pobre Will. Ela só conseguia dizer não. Sentia muito por isso. Não havia paixão. Apenas... Camaradagem. E assim seria. Ofélia levaria sua vida. Fazendo malabarismo com as bolinhas coloridas que caíssem em suas mãos. Tentando se equilibrar. As pessoas naquela rua pareciam excepcionalmente simpáticas e ela não via a hora de virar a esquina. Ver o que lhe esperava ali. Talvez um teatro, antigo, de poltronas de veludo vermelho, talvez um filhotinho de gato preto que ela pudesse acomodar entre seus braços. Talvez uma garota, de sorriso doce e olhos maliciosos, esperando pra ser tomada, puxada pelas mãos de Ofélia, assim, Ofélia a acomodaria entre seus braços também.
Ofélia começou a cantarolar. É. A vida é boa. E Ofélia sacudiria mais espadas para cãezinhos, tomada por acessos de riso.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

A Festa e a mediocridade juvenil.


Festa. Adolescentes medíocres pulando ao som de algo que insistem em chamar de música. Ofélia estava encostada num pilar. Pensando que devia ter enchido a cara, só assim pra suportar um lugar daqueles. Ana voltou, mais bêbada ainda. Colocou, as mãos na cintura de Ofélia. Disse o quanto a amava, virou de costas pra ela e dançou, mas ainda segurando a sua cintura. Ana sabia que estava provocando-a. Seu vestido era curto, deixando as pernas bem brancas à mostra. Ela beijou Ofélia, no pescoço, bem sob a orelha. Por que Ana fazia isso? Sempre tagarelava sobre como queria todos os rapazes, e apenas os rapazes. Puxou Ofélia pelas mãos:
'Veeeem dançar comigo'
Abraçou ela pela cintura e ria, ao puxa-la pelo cabelo. Ofélia tentava se manter racional. Olhava pra menina com um misto de desejo e desprezo. Dizia 'não' quando Ana a puxava e dava beijos, bem perto da boca. Sua vontade era de empurra-la e encostá-la no pilar, beijá-la loucamente, sem se importar com as centenas de jovens conhecidos e homofóbicos à sua volta. Mas se manteve, altiva; puxou Ana pela mão e a fez sentar. O desejo passou. No lugar dele, ficou apenas o pensamento:
'Como essas pessoas conseguem ser tão felizes. E de uma maneira tão medíocre? Eu não pertenço a lugares assim, não penso dessa maneira. Qual o meu problema?!'
Saiu da festa. Ficou na calçada, debaixo de uma chuva leve e gelada. Viu, debaixo de um toldo uma mulher acendendo um cigarro. Pensou no Will. Ele havia largado o cigarro. Pensou em ir falar com ela e tentar convencê-la que aquilo ainda a mataria. Mas quem se importa? Estamos morrendo o tempo todo.
Pensou no Will de novo.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O Bosque


Árvores altas, um bosque escuro. Ofélia caminhava por ali com calma. Até que as árvores, muito parecidas umas com as outras começaram a confundi-la. Ela ficou atordoada e começou a correr, tropeçando nos galhos no chão. Estava ofegante e chorava, olhando convulsivamente para os lados. Se jogou de joelhos no chão. Fechou os olhos e tento respirar fundo. Começou a seguir os próprios pensamentos:
'O que fazia naquele bosque? -> Ela corria. -> Por que corria? -> Porque estava com medo. -> Medo de quê?'. Ela parou naquela pergunta. MEDO DE QUÊ? O que havia para temer?!
Ao abrir os olhos, estava em um campo amplo. Era dia e o tempo estava agradável, sem sol. Seus joelhos não estavam mais feridos, estavam confortáveis em uma grama fofa. Ela levantou-se. Estava calma. Não sabia onde estava, continuava perdida. Mas não tinha o que temer. Seguiu andando pela grama, com a tranquilidade de uma criança. Não sabia o que havia no final do caminho que ela estava decidindo tomar. Ela só o seguia. Cantarolando Vienna, do Billy Joel.

sábado, 31 de janeiro de 2009

O lugar de Ofélia


Ofélia observava. Observava as pessoas, como sempre fez. E de tanto observar ela chegou a uma conclusão. Esse é o papel dela. Ver as histórias alheias, escrever histórias. Não se sente como fazendo parte delas. Se sente como um poeta solitário, frustrado. Os poetas românticos, aqueles que morriam de tuberculose.
Chateou-se. Apoiou os cotovelos no joelho. Ela pertencia a lugar algum. Ninguém jamais poderia entender uma pessoa tão esquisita. Ninguém jamais poderia acolher uma pessoa tão esquisita. Ela definitivamente pertencia a lugar algum. Se achava diferente.
No seu desespero de querer se sentir acolhida se apaixonava por toda mulher que lhe desse um pouco mais de atenção, como Joel Barish. Imaginava os lábios delas lhe proferindo palavras românticas, seus dedos delicados entre os seus.
Não era Will, definitivamente. Will apenas lhe ajudou, mas ela não queria os lábios dele lhe proferindo palavras românticas. Não queria seus dedos grosseiros pegando em sua mão.
Tão pouco queria Ofélia junto de si uma mulher que não fizesse sentido. Ofélia queria a famosa 'sua metade'. Queria alguém como ela. Queria alguém que se sentisse deslocada como ela, a quem ela pudesse acolher de volta. Queria alguém que lesse seus pensamentos só de olhar nos seus olhos. Queria alguém pra ela ligar à noite, só pra ouvir a voz. Queria cabelos delicados no seu colo, e poder acariciar o rosto dela com a ponta dos dedos. Queria ouvir uma voz feminina e doce chamando seu nome.
Ofélia queria se apaixonar pela mulher que seria perfeita pra ela. E só para ela.
Mas Ofélia não conseguiria isso. Ela pertence a lugar algum.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Liberdade


Ofélia dançava. Dançava apesar de ser completamente desengonçada. Dançava na calçada molhada de chuva, diante dos transeuntes. Seus pés relavam no chão e a todo tempo, ela sentia que ia cair. Mas não se importaria com um tombo, não se importaria com nada. Ela estava livre.
Perdida, mas livre.
Podia seguir, sapateando (mal) sobre as poças qualquer caminho.
Tinha tantos! E cada caminho abria outros.
Sabia que poderia resgatar pessoas do passado, se elas quisessem tomar sua mão. Ela tentaria de novo. Afinal, por que não? Se a fazia feliz.
Lembrou-se, ao afundar o pé em uma poça e sentir a água encharcar sua meia, de Will. Das mãos dele ao redor de sua cintura, da água da chuva escorrendo por seu cabelo e do beijo. Foi legal. Foi bonito.
Mas só. Talvez fosse melhor seguir por um caminho totalmente diferente. Talvez fosse melhor se infiltrar num universo totalmente novo. Ele viria? Ela queria ser capaz de entrar nessa dimensão como se fosse um espelho, atravessando-o como se fosse apenas água.

domingo, 26 de outubro de 2008

Ofélia e Mina


Ofélia corria os olhos através do livro. Contava a história de um triste vampiro, Drácula. Mas o que mais chamou-lhe a atenção não era a desgraça do protagonista. Era uma coadjuvante, Mina.
Mina se encantava com o Vampiro, não sabe-se bem pelo quê. Talvez fosse o mistério que podia ser visto através dos seus olhos, talvez fosse toda a atenção que ele dedicava a ela. Mas apesar de todo o encanto, era óbvio que não podiam ficar juntos.
Ofélia grudou o livro ao peito e encarou o teto do quarto. Tinha muitas semelhanças com Mina.
Será que Drácula terminaria a história melancólico, numa imagem preto e branco, apoiando o cigarro no cinzeiro?
Acho que não, ele está largando o cigarro.

sábado, 25 de outubro de 2008

Filme Cult


Os pés de Ofélia se perdiam, tropeçavam. Suas unhas, já curtas, estavam todas roídas. Ela se jogava no chão, perdia a voz. Isso quando ela estava sozinha.
Quando estava com alguém, tinha a elegância de uma bailarina e o sorriso de uma atriz pra fingir equilíbrio.
No entanto, não estava triste. Estava confusa. E em partes, ela adorava essa confusão. Ter assuntos pra pensar. Ter a vida parecida com o roteiro de um filme. Um filme cult.
E aí se jogar na cama, olhar pro teto e tentar pensar em nada, lembra?

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Cigarros e uísque.

Ofélia o encarava através da fumaça do cigarro dele.
Ele entortou a boca, sabia que ela era uma ativista anti-nicotina (apesar de toda a hipocrisia, já que de vez em nunca ela fumava um narguile, entre os amigos).
Ele então enfiou o cigarro no cinzeiro:
-Feliz?
-Muito.
Ele sorriu, estendeu a mão. Ela deveria pegá-la? Se a pegasse, fecharia de vez o tal triângulo amoroso. Não pegou:
-Willian... Você quer alguma coisa comigo?
Ele retirou a mão. Tomou um gole do uísque:
-Eu gosto de você.
Ofélia sorriu singelamente:
-Eu também gosto de você.
-Não. Eu GOSTO de você, Ofélia.
Os olhos dela se perderam, olhavam de um lado para o outro, aflitos. Era óbvio, ela quem estava com medo de enxergar.
-Will... Não dá. Não dá mesmo.
Os olhos dele se tornaram vermelhos:
-Por causa dela, não é?
-Eu nunca poderia traí-la dessa maneira.
Ofélia então tocou o rosto dele, afagou os seus cabelos. Ele tentou se esconder atrás das próprias mãos, mas ela as tomou. Ele se desculpava compulsivamente. Tomou mais uísque.
Então, estendeu a mão, dessa vez, ela a pegou.

Um esqueleto no canto

A Ofélia vivia de joelhos. De joelhos diante de você. Mas em silêncio. Nunca implorou. Só deixou você ver que ela estava lá. E você passava a mão na cabeça dela, suspirava e virava as costas.
Até um dia você mandar ela ir pro canto. Ela foi, como ela sempre fez, sempre fez o que você quis.
E ela ainda está lá. Deixou de comer, de dormir, de ser ela mesma. Mas agora, depois de tanto tempo de castigo, depois de morrer, de sua carne apodrecer, depois de ela ter virado um esqueleto frágil e de assistir você em toda sua mediocridade e covardia, percebeu que ela é mais do que isso.
Ela ainda não se levantou. Mas se prepara, ela não vai estar eternamente lá. Fique esperto, pequeno gafanhoto.